As pessoas perambulam pela cidade. Carros, motos, bicicletas e pedestres. O cruzamento entre eles reproduz o asco da convivência compulsiva. Nos engarrafamentos, expõe nossa ansiedade ao percebermos o óbvio, não estamos sozinhos. Mesmo no automóvel, encarado como uma bolha nossas moradas, dessacraliza-se a intimidade. As buzinas chamam a atenção dos desavisados, proliferam através dela, todo seu descontentamento, descortina o destempero das pessoas em total irracionalidade com o outro. Motocicletas se equilibram nos corredores entre retrovisores vulneráveis, sujeitos a fúria e intolerância daqueles que se sentem vitimados sobre duas rodas. Os ciclistas em seu tom – politicamente correto / ecológico – não atentam para o espaço em uso, a concorrência entre as máquinas e seus condutores nos seus supostos “direitos” intransigentes. Pura utopia. E a inocência dos pedestres, infantil sensação de segurança. No olhar de fora não percebem que inalam o odor e o ruído do caos.
O cotidiano não nos alerta, é mera conseqüência de nossas práticas. O funesto hábito da individualidade e do recorrente comportamento egoísta torna imperceptível a destrutiva sociedade que construímos. Destruímos nosso poder de escolha, nosso discernimento. Constata-se a total inoperância das pessoas, velando seus lamentos perante tal realidade. Não há invocações, clamores, hipóteses; somente a parcimônia compreensão nos olhares arrependidos. Compreendemos, entendemos, mas não temos a solução.
Tal fato recai para a própria idéia de civilização. Um paradoxo impera entre-nos, unimos para evoluir enquanto seres racionais, porém, nossa comunicação é escassa, viciada em paradigmas mentais limitados e vícios de linguagem. Nossa tecnologia tornou-se circular, o eterno reproduzir em gradações inéditas. Não conseguimos transcender nem mesmo em imaginação. O vasto pensamento que nos encantou, como na “Alegoria da Caverna” de Platão, é inócuo para as reais demandas de nossa sociedade. Não é mais uma questão de ilusão ou realidade, mas de transcender de nossas práticas cotidianas. Interrompemos a reflexão, assim, paramos de procurar novos paradigmas, apenas pensamos de forma reentrante reproduzindo eternamente o que já sabemos.
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